Todas as vezes, nesses cinco anos, que eu desço do carro de som, no fim do
carnaval manifestação do 18 de maio em BH, lembro do primeiro dia em que
subi(eu disse à Mirian Abou-yd: eu posso dar um troço lá em cima em qualquer
momento, começar a chorar e descer! Ela: “tudo bem!”), creio que comecei em
2009, antes eu estava junto com todos embaixo e nos primeiros anos eu não
queria mesmo estar em cima, mesmo sabendo que o que se vê de lá, não se vê lá
embaixo, mas é embaixo que a luta acontece! É embaixo que a cidade fica
colorida! Depois fui dando corda a possibilidade de ser uma voz, uma das que
compõem aquele dia, mas muitas são as vozes que fazem essa coisa acontecer!
Quem nunca acompanhou a construção(construção coletiva de verdade) de uma das
manifestações mais organizadas da cidade de Belo Horizonte não pode compreender
quando a gente fala dessas vozes! E é nisso que esse movimento, no qual milito
não organicamente, tem apostado nos últimos anos, de cara na rua.
É preciso entender que o dia 18 de maio não é o único dia da luta
antimanicomial, que o dia 18 de maio é o dia de a gente dizer, colocar a voz na
rua, todas elas, as que nós todos escutamos, as que os loucos escutam todos os
dias, inclusive na hora da manifestação! Assim se poderia compreender a
complexidade dessa construção e entender que uma luta se faz dia a dia,
compreendendo as dificuldades, acessando as dúvidas, criticando-se e
avaliando-se.
O movimento da luta antimanicomial coloca na rua uma possibilidade que a sociedade
há muito não se permitia. Colocar a cara e a cor da loucura para desfilar e
dizer de si! E nesse ano a presença das duas usuárias ao meu lado, me deixou a
certeza de que transmitir as vozes que saem deles é quase impossível, mas que é
preciso se solidarizar com o desconhecido, com o diferente!
Por isso eu volto para casa em quase todos os 18tos, porque eu preciso chorar
muito depois que todas essas vozes e cores me embriagam, porque eu preciso
sintetizar em outras vozes escritas o que me impulsiona, e também, afinal,
porque eu preciso ajudar a denunciar a matança da voz na cidade! Sinto
ter sido ou ido além do que me foi permitido, se foi o caso, ao citar meu
camarada Virgílio Mattos: “Prefeitura de BH, não para de atrapalhar!” Pensando
na criatividade que vem dessa voz incessante da luta antiprisional,
antimanicomial e antiproibicionista. Assim, é preciso entender que a angústia
travada no peito às vezes se conforma em palavras, para além do texto
organizado pelo movimento, e o que mais assusta é a possibilidade de matar uma
voz, quando faltavam apenas algumas linhas de denúncia das ações de nossa
gestão municipal! Não se preocupe prefeito, mesmos em microfone nós
continuaremos falando!
A voz foi calada antes do fim, mas ainda não é o nosso fim! Porque afinal Pedro
Tierra tem razão, mesmo com o engasgo meu no final da leitura:
A fala da terra
Pedro Tierra
A Liberdade da Terra não é assunto de
lavradores. A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos se alimentam dos
frutos da Terra. Do que vive, sobrevive, de salário. Do que não tem casa. Do
que só tem o viaduto. Dos que disputam com os ratos os restos das grandes
cidades. Do que é impedido de ir à escola. Das meninas e meninos de rua. Das
prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera. Dos que amargam o desemprego. Dos que
recusam a morte do sonho.
A Liberdade da Terra e a paz no campo
têm nome: Reforma Agrária. Hoje viemos cantar no coração da cidade. Para que
ela ouça nossas canções e cante. E reacenda nesta noite a estrela de cada um. E
ensine aos organizadores da morte e ensine aos assalariados da morte que um
povo não se mata como não se mata o mar sonho não se mata como não se mata o
mar a alegria não se mata como não se mata o mar a esperança não se mata como
não se mata o mar e sua dança.
Pelo fim de manicômios, prisões,
comunidades terapêuticas, serviços que encarceram de qualquer modo usuários de
drogas, pelo fim da mídia corporativa e marrom, pelo fim da mentira em nossa
cidade!
Laila.
* em homenagem ao movimento da luta
antimanicomial, antiprisonal, antiproibicionista e Movimento Fora Lacerda