terça-feira, 22 de maio de 2012

Não se mata a voz, nem o seu movimento!*


por Laila Vieira de Oliveira, sexta, 18 de Maio de 2012 às 18:24 ·
                 Todas as vezes, nesses cinco anos, que eu desço do carro de som, no fim do carnaval manifestação do 18 de maio em BH, lembro do primeiro dia em que subi(eu disse à Mirian Abou-yd: eu posso dar um troço lá em cima em qualquer momento, começar a chorar e descer! Ela: “tudo bem!”), creio que comecei em 2009, antes eu estava junto com todos embaixo e nos primeiros anos eu não queria mesmo estar em cima, mesmo sabendo que o que se vê de lá, não se vê lá embaixo, mas é embaixo que a luta acontece! É embaixo que a cidade fica colorida! Depois fui dando corda a possibilidade de ser uma voz, uma das que compõem aquele dia, mas muitas são as vozes que fazem essa coisa acontecer!
            Quem nunca acompanhou a construção(construção coletiva de verdade) de uma das manifestações mais organizadas da cidade de Belo Horizonte não pode compreender quando a gente fala dessas vozes! E é nisso que esse movimento, no qual milito não organicamente, tem apostado nos últimos anos, de cara na rua.
            É preciso entender que o dia 18 de maio não é o único dia da luta antimanicomial, que o dia 18 de maio é o dia de a gente dizer, colocar a voz na rua, todas elas, as que nós todos escutamos, as que os loucos escutam todos os dias, inclusive na hora da manifestação! Assim se poderia compreender a complexidade dessa construção e entender que uma luta se faz dia a dia, compreendendo as dificuldades, acessando as dúvidas, criticando-se e avaliando-se.

           O movimento da luta antimanicomial coloca na rua uma possibilidade que a sociedade há muito não se permitia. Colocar a cara e a cor da loucura para desfilar e dizer de si! E nesse ano a presença das duas usuárias ao meu lado, me deixou a certeza de que transmitir as vozes que saem deles é quase impossível, mas que é preciso se solidarizar com o desconhecido, com o diferente!
         Por isso eu volto para casa em quase todos os 18tos, porque eu preciso chorar muito depois que todas essas vozes e cores me embriagam, porque eu preciso sintetizar em outras vozes escritas o que me impulsiona, e também, afinal, porque  eu preciso ajudar a denunciar a matança da voz na cidade! Sinto ter sido ou ido além do que me foi permitido, se foi o caso, ao citar meu camarada Virgílio Mattos: “Prefeitura de BH, não para de atrapalhar!” Pensando na criatividade que vem dessa voz incessante da luta antiprisional, antimanicomial e antiproibicionista. Assim, é preciso entender que a angústia travada no peito às vezes se conforma em palavras, para além do texto organizado pelo movimento, e o que mais assusta é a possibilidade de matar uma voz, quando faltavam apenas algumas linhas de denúncia das ações de nossa gestão municipal! Não se preocupe prefeito, mesmos em microfone nós continuaremos falando!
            A voz foi calada antes do fim, mas ainda não é o nosso fim! Porque afinal Pedro Tierra tem razão, mesmo com o engasgo meu no final da leitura:
A fala da terra
Pedro Tierra
A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores. A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos se alimentam dos frutos da Terra. Do que vive, sobrevive, de salário. Do que não tem casa. Do que só tem o viaduto. Dos que disputam com os ratos os restos das grandes cidades. Do que é impedido de ir à escola. Das meninas e meninos de rua. Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera. Dos que amargam o desemprego. Dos que recusam a morte do sonho.
A Liberdade da Terra e a paz no campo têm nome: Reforma Agrária. Hoje viemos cantar no coração da cidade. Para que ela ouça nossas canções e cante. E reacenda nesta noite a estrela de cada um. E ensine aos organizadores da morte e ensine aos assalariados da morte que um povo não se mata como não se mata o mar sonho não se mata como não se mata o mar a alegria não se mata como não se mata o mar a esperança não se mata como não se mata o mar e sua dança.
  
Pelo fim de manicômios, prisões, comunidades terapêuticas, serviços que encarceram de qualquer modo usuários de drogas, pelo fim da mídia corporativa e marrom, pelo fim da mentira em nossa cidade!

Laila.
  
* em homenagem ao movimento da luta antimanicomial, antiprisonal, antiproibicionista e Movimento Fora Lacerda