sexta-feira, 17 de outubro de 2014

SOBRE DEBATES, EMBATES E O MACHISMO EXPLÍCITO DO SENHOR AÉCIO

Apresento aqui algumas reflexões sobre os debates desta semana, sem entrar nas minhas divergências políticas com os projetos colocados, seja por suas similaridades ou diferenças. Sem entrar na minha avaliação dos rumos do PT e dos governos de Lula e Dilma. Dito isto, sigamos.
Vi os debates da BAND e do SBT. Em ambos, me chamou a atenção o estilo machão troglodita do candidato Aécio em plena forma.
Senti falta da Luciana Genro e o seu “não levante o dedo pra mim”. Sim, quando andamos pelas ruas é uma das frases que as pessoas mais repetem dos debates do primeiro turno. E por quê?
Porque diante de um machista convicto e inveterado é necessário uma ação contundente para deixa-lo em seu lugar. Por isso, senti falta da presidenta dar um chega pra lá no sujeito. Compreendo os seus limites. Sei que não são pessoais. Afinal ela é a presidenta do país, da qual se cobra uma postura de autocontrole absoluto.
Mas, por ser a primeira presidenta deveria contestar o seu machismo, por ela e por nós, todas nós, mulheres que enfrentamos todos os dias tipos aecianos em casa e nas ruas.  Porque, em minha opinião, os ataques à presidenta e candidata à reeleição, incorporam uma desconstrução da capacidade de liderança feminina. Os termos utilizados, desde a abertura dos jogos da Copa, passando pelos comentários na internet, a exemplo do comentário de Malafaia no twitter, demonstram a violência machista.
Termos similares foram utilizados contra Luciana e Marina no primeiro turno, inclusive sobre seus cabelos, forma de falar e vestir. As três mulheres na disputa eleitoral pela presidência do país, com diferenças e similitudes politicas, não se encaixam para Felicianos, Bolsonaros e Malafaias, nos padrões exigidos. Por uma simples questão: estes senhores acreditam que lugar de mulher é na cozinha e não na política.
Sei que a presidenta não é uma militante feminista. Isto faz falta, pois a formação feminista nos ajuda a detectar com maior rapidez o ataque simbólico de um machista. Por isso, Luciana se destacou. Ao dizer “não levanta o dedo pra mim” ela desmontou em público o que desmontamos todos os dias no espaço privado. Ela lembrou a todos/as que nós mulheres temos o direito de estarmos ali, no espaço público e disputar o poder.
Aécio, quando chama todas as suas adversárias de mentirosas e levianas (ele usou os mesmos termos para Luciana, Marina e Dilma) e põe o dedo em riste, está dizendo a todas nós que nosso lugar não é ali, que não temos o direito de disputar o poder.
A presidenta, ao seu estilo é claro, deveria dar um basta. O primeiro deles é quando for chamada de mentirosa ou leviana. Um sujeito que dirige bêbado, que bate em mulher, pratica nepotismo e malversação das coisas públicas não tem autoridade moral para dizer a qualquer pessoa que ela é leviana ou mentirosa. O segundo é quando ele levantar a voz e colocar dedo em riste. Estes são dois gestuais machistas que precisam ser denunciados na primeira ação. Em um debate político é inaceitável o tratamento desrespeitoso entre os participantes. E chamar a atenção do público para tal fato é fundamental. É tão corriqueiro os homens utilizarem destes gestuais que parece “natural”. Isto é violência simbólica e precisa ser dito, para que nós, mulheres e homens, do outro lado da tela desnaturalizemos estas ações.
FORA AÉCIO MACHISTA!
Maria da Consolação – militante do PSOL e candidata a deputada federal /2014


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O corpo e as eleições

Se olharmos para as Marchas de Junho de 2013, observamos que as bandeiras expressas nos cartazes apresentavam nossos desejos de saúde, educação, moradia, transporte. 
As vozes das ruas anunciavam nossos sonhos de liberdade de decidir sobre nossos corpos, de viver com alegria os nossos afetos e as cores das nossas peles. 
Proclamamos nossa indignação. Fomos e seguiremos insurgentes, pois queremos um país e as nossas cidades como lugares da diversidade humana.
Ao olharmos as eleições brasileiras, observamos que o corpo sempre esteve no centro das polêmicas. Em 1989 e 2010, o corpo das mulheres era o centro do debate. A pauta era a legalização do aborto. Em 2014, novamente, o corpo presente no debate. Em pauta, a diversidade sexual e a legalização das drogas.
Vendendo a vida das pessoas em troca de votos conservadores, as vozes dos que querem ganhar apenas pelo dinheiro e pelo poder, dizem: “Vamos discutir o Banco Central, a inflação”. Com seus discursos, silêncios e ações ajudam queimar, torturar e matar a dignidade que deveria viver em corpos. Fingem que o corpo não faz parte da macropolítica econômica e social.  
Mas, o movimento feminista já nos ensinou que o pessoal é político e que o privado é público. Alguns fatos divulgados pela mídia demonstram a urgência de debatermos, enquanto sociedade, sobre estas questões:
1. Jandira Magdalena (RJ), mulher trabalhadora, casada, foi realizar um aborto em clínica clandestina. Após ter sido levada de carro pela "equipe" da clínica, desapareceu por vários dias. O último contato que teve foi por SMS com o seu marido: "Amor, mandaram eu desligar o celular, tô em pânico". O corpo foi encontrado queimado dentro de um carro, sem a arcada dentária e com os membros amputados.
2. Solange e Sabriny (RS), jovens trabalhadoras, lésbicas, iriam se casar em um CTG (Centro de Tradições Gaúchas). E o CTG foi incendiado por crime de homofobia. O sonho delas: comprar uma casa própria e celebrar a união com a família.
3. Poucos dias atrás, um jovem, irmão nosso aqui de Betim, nossa Minas Gerais, foi torturado e queimado vivo em um ritual de “purificação de gays”. Lembra-nos a ideologia dos rituais de tortura no Holocausto promovidos pelo nazismo contra judeus, homossexuais, ciganos, comunistas e demais grupos de pessoas. Aqui, a barbaridade tem as letras e as mãos do discurso fundamentalista religioso.
4. O goleiro Aranha sofreu racismo em massa e o jogador Richarlyson sofreu e continua sofrendo homofobia em massa dentro e fora dos gramados. Mesmo assim, seguimentos conservadores dos meios de comunicação e do judiciário teimam em afirmar que vivemos em uma democracia racial e sexual. 
5. No dia 28 de setembro, vimos um candidato à presidência dizer que “aparelho excretor não reproduz”, um atentado à inteligência, proferir incitações ao ódio e restrição ao direito de todas as pessoas terem suas famílias. Em um país sério e comprometido com os direitos humanos, jamais um sujeito de tão baixo nível moral e de tal repugnância seria candidato.
6. Claudia, DG e Amarildo foram mortos por conta da atual política de guerra às drogas. São três casos noticiados e não são fatalidades pessoais. São parte de uma tragédia nacional que leva à saudade milhares de brasileirxs por conta das disputas por territórios. 
Uruguai, Portugal, Espanha e Argentina vêm enfrentando alguns desses debates por compreender que pensar a vida, o cotidiano humano, passa pela libertação dos corpos, pelas liberdades individuais, pelo direito a uma vida digna. E exige uma outra política econômica e social. Uma nova forma de organização dos tempos e espaços sociais.
Reproduzimos aqui respostas do presidente uruguaio, Mujica:
ABORTO: “Aplicamos um princípio muito simples: reconhecer os fatos. Aborto é velho como o mundo, a mulher na sua solidão, inevitavelmente tem de enfrentar este problema. Para nós, a legalização do aborto e os métodos de contracepção, o trabalho psicológico, significam uma maneira de perder menos. Aqui a mulher não vai diretamente a uma clínica para fazer aborto, isto era na época em que era clandestino. Passa pelo psicólogo, depois é bem atendida.”
CASAMENTO IGUALITÁRIO CIVIL: “O casamento homossexual, por favor, é mais velho que o mundo. Tivemos Julio Cesar, Alexandre O Grande, por favor. Dizer que é moderno, por favor, é mais antigo do que nós todos. É um dado de realidade objetiva, existe. Para nós, não legalizar seria torturar as pessoas inutilmente.”
DROGAS: “Queremos tirar o mercado do narcotráfico, queremos tirar-lhes o motivo econômico, queremos que o narcotráfico tenha um competidor forte e não seja o monopolista do mercado. Ao mesmo tempo, tentamos incitar as pessoas a atuarem do ponto de vista médico. Se as pessoas continuam no mundo clandestino, não podemos trabalhar, pelo menos trabalhar a tempo, só entramos quando já é muito tarde e quando já cometeram delitos para ter dinheiro e conseguir a droga.”
No Brasil, precisamos unir especialistas nas temáticas do corpo e os movimentos sociais para que tenhamos maior força na proposição de leis e na cobrança da efetivação delas. Junho de 2013, as experiências uruguaias, portuguesas, espanholas e argentinas têm mostrado que essa união é possível.
Somos parte daquelxs que acreditam que “nada deve parecer natural” e “nada é impossível de mudar”. E não é de hoje que, nós feministas, estamos fazendo revolução. Os movimentos negros, LGBT, pela legalização das drogas e tantos outros conscientes e solidários às lutas estamos dizendo que cansamos do corpo aprisionado, humilhado, torturado e assassinado. 
Cansamos da violência que delimita e retira nossa dignidade. Nossa, minha e das nossas irmãs e dos nossos irmãos com seus modos específicos de ser, pensar e agir revelados através do corpo.
Somos milhões de Marias, Joãos, Aranhas, Richarlysons, Claudias, DG’s e Amarildos. Somos suas/seus parentes, vizinhxs, colegas de trabalho, amigxs.
Somos aquelas pessoas solidárias que, mesmo não conhecendo face a face as vítimas, compartilhamos a luta por dignidade para que cada pessoa exista e seja feliz na sua forma de ser, viver e amar. Não estamos sozinhxs na multidão!