Se olharmos para as Marchas de Junho de 2013,
observamos que as bandeiras expressas nos cartazes apresentavam nossos desejos
de saúde, educação, moradia, transporte.
As vozes das ruas anunciavam nossos sonhos de
liberdade de decidir sobre nossos corpos, de viver com alegria os nossos afetos
e as cores das nossas peles.
Proclamamos nossa indignação. Fomos e seguiremos insurgentes, pois queremos um país e as nossas cidades como lugares da diversidade humana.
Proclamamos nossa indignação. Fomos e seguiremos insurgentes, pois queremos um país e as nossas cidades como lugares da diversidade humana.
Ao olharmos as eleições brasileiras, observamos
que o corpo sempre esteve no centro das polêmicas. Em 1989 e 2010, o corpo das
mulheres era o centro do debate. A pauta era a legalização do aborto. Em 2014,
novamente, o corpo presente no debate. Em pauta, a diversidade sexual e a
legalização das drogas.
Vendendo a vida das pessoas em troca de votos
conservadores, as vozes dos que querem ganhar apenas pelo dinheiro e pelo
poder, dizem: “Vamos discutir o Banco Central, a inflação”. Com seus discursos,
silêncios e ações ajudam queimar, torturar e matar a dignidade que deveria
viver em corpos. Fingem que o corpo não faz parte da macropolítica econômica e
social.
Mas, o movimento feminista já nos ensinou que o
pessoal é político e que o privado é público. Alguns fatos divulgados pela
mídia demonstram a urgência de debatermos, enquanto sociedade, sobre estas
questões:
1. Jandira Magdalena (RJ), mulher trabalhadora,
casada, foi realizar um aborto em clínica clandestina. Após ter sido levada de
carro pela "equipe" da clínica, desapareceu por vários dias. O último
contato que teve foi por SMS com o seu marido: "Amor, mandaram eu desligar
o celular, tô em pânico". O corpo foi encontrado queimado dentro de um
carro, sem a arcada dentária e com os membros amputados.
2. Solange e Sabriny (RS), jovens
trabalhadoras, lésbicas, iriam se casar em um CTG (Centro de Tradições
Gaúchas). E o CTG foi incendiado por crime de homofobia. O sonho delas: comprar
uma casa própria e celebrar a união com a família.
3. Poucos dias atrás, um jovem, irmão nosso
aqui de Betim, nossa Minas Gerais, foi torturado e queimado vivo em um ritual
de “purificação de gays”. Lembra-nos a ideologia dos rituais de tortura no
Holocausto promovidos pelo nazismo contra judeus, homossexuais, ciganos,
comunistas e demais grupos de pessoas. Aqui, a barbaridade tem as letras e as
mãos do discurso fundamentalista religioso.
4. O goleiro Aranha sofreu racismo em massa e o
jogador Richarlyson sofreu e continua sofrendo homofobia em massa dentro e fora
dos gramados. Mesmo assim, seguimentos conservadores dos meios de comunicação e
do judiciário teimam em afirmar que vivemos em uma democracia racial e sexual.
5. No dia 28 de setembro, vimos um candidato à
presidência dizer que “aparelho excretor não reproduz”, um atentado à
inteligência, proferir incitações ao ódio e restrição ao direito de todas as
pessoas terem suas famílias. Em um país sério e comprometido com os direitos
humanos, jamais um sujeito de tão baixo nível moral e de tal repugnância seria
candidato.
6. Claudia, DG e Amarildo foram mortos por
conta da atual política de guerra às drogas. São três casos noticiados e não
são fatalidades pessoais. São parte de uma tragédia nacional que leva à saudade
milhares de brasileirxs por conta das disputas por territórios.
Uruguai, Portugal, Espanha e Argentina vêm
enfrentando alguns desses debates por compreender que pensar a vida, o
cotidiano humano, passa pela libertação dos corpos, pelas liberdades
individuais, pelo direito a uma vida digna. E exige uma outra política econômica e social. Uma nova forma de organização dos tempos e espaços sociais.
Reproduzimos aqui respostas do presidente uruguaio, Mujica:
Reproduzimos aqui respostas do presidente uruguaio, Mujica:
ABORTO: “Aplicamos um princípio muito simples:
reconhecer os fatos. Aborto é velho como o mundo, a mulher na sua solidão,
inevitavelmente tem de enfrentar este problema. Para nós, a legalização do
aborto e os métodos de contracepção, o trabalho psicológico, significam uma
maneira de perder menos. Aqui a mulher não vai diretamente a uma clínica para
fazer aborto, isto era na época em que era clandestino. Passa pelo psicólogo, depois
é bem atendida.”
CASAMENTO IGUALITÁRIO CIVIL: “O casamento
homossexual, por favor, é mais velho que o mundo. Tivemos Julio Cesar,
Alexandre O Grande, por favor. Dizer que é moderno, por favor, é mais antigo do
que nós todos. É um dado de realidade objetiva, existe. Para nós, não legalizar
seria torturar as pessoas inutilmente.”
DROGAS: “Queremos tirar o mercado do
narcotráfico, queremos tirar-lhes o motivo econômico, queremos que o
narcotráfico tenha um competidor forte e não seja o monopolista do mercado. Ao
mesmo tempo, tentamos incitar as pessoas a atuarem do ponto de vista médico. Se
as pessoas continuam no mundo clandestino, não podemos trabalhar, pelo menos
trabalhar a tempo, só entramos quando já é muito tarde e quando já cometeram
delitos para ter dinheiro e conseguir a droga.”
No Brasil, precisamos unir especialistas nas
temáticas do corpo e os movimentos sociais para que tenhamos maior força na
proposição de leis e na cobrança da efetivação delas. Junho de 2013, as
experiências uruguaias, portuguesas, espanholas e argentinas têm mostrado que
essa união é possível.
Somos parte daquelxs que acreditam que “nada
deve parecer natural” e “nada é impossível de mudar”. E não é de hoje que, nós feministas, estamos
fazendo revolução. Os movimentos negros, LGBT, pela legalização
das drogas e tantos outros conscientes e solidários às lutas estamos dizendo
que cansamos do corpo aprisionado, humilhado, torturado e assassinado.
Cansamos da violência que delimita e retira
nossa dignidade. Nossa, minha e das nossas irmãs e dos nossos irmãos com seus
modos específicos de ser, pensar e agir revelados através do corpo.
Somos milhões de Marias, Joãos, Aranhas,
Richarlysons, Claudias, DG’s e Amarildos. Somos suas/seus parentes, vizinhxs,
colegas de trabalho, amigxs.
Somos aquelas pessoas solidárias que, mesmo não
conhecendo face a face as vítimas, compartilhamos a luta por dignidade para que
cada pessoa exista e seja feliz na sua forma de ser, viver e amar. Não estamos sozinhxs na multidão!